Com a multiplicidade de formações familiares, percebe-se que os vínculos estabelecidos a partir da afetividade entre os indivíduos podem ser tão relevantes quanto aqueles oriundos da consanguinidade.

A afetividade passou a ocupar papel significativo nas relações familiares, o que autorizou e deu sustentação para a criação e a construção da teoria da parentalidade socioafetiva, que compreende e considera a família para além dos laços jurídicos e consanguíneos.

A família, que antes era regida pelo paradigma da legitimidade (estabelecida pelo matrimônio ou laços sanguíneos), passa a ser regida pelo paradigma da afetividade, de modo que os relacionamentos afetivos sólidos podem ensejar novas configurações de parentesco, sejam elas de natureza conjugal ou de parentalidade.

Logo, tornou-se necessário que o ordenamento jurídico passasse a não somente reconhecer, como também amparar essas relações, conferindo-lhes os direitos e obrigações oriundos do princípio da solidariedade do Direito de Família.

Após diversas decisões jurisprudenciais no mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, que dispôs acerca do reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade socioafetivas. A partir da publicação do referido provimento, passou a existir a possibilidade de o reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva ser realizada administrativamente.

Ocorre que a facilidade estabelecida pelo CNJ poderia colocar em risco a proteção de crianças e adolescentes envolvidos em tais relações, uma vez que tal reconhecimento poderia ocorrer longe dos olhos do Poder Judiciário e do Ministério Público, o que foi motivo de crítica e causou muitos debates entre os estudiosos do Direito de Família.

Assim, o Provimento nº 83, de 14 de agosto de 2019, do CNJ, modificou a redação do Art. 10 do provimento citado anteriormente, versando que o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. Quer dizer que, no caso de crianças menores de 12 anos, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva ocorrerá obrigatoriamente pela via judicial.

Dentre as modificações trazidas pelo CNJ, o novo texto informa que, ainda que atendidos os requisitos para reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de adolescentes, o referido registro só poderá ser realizado após parecer favorável do Ministério Público.

 

Ademais, informa que somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno, de modo que a inclusão de mais de um ascendente deverá tramitar pela via judicial, conferindo maior segurança jurídica ao ato.

 

  • Por Letícia Queiroz Nascimento